Texto retirado de: http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:1OYwnQhZbXMJ:partidopirata.org/deixando-o-x-para-tras-na-linguagem-neutra-de-genero-por-juno/+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br&client=firefox-b-ab
Texto retirado de: https://naobinario.wordpress.com/2014/11/01/deixando-o-x-para-tras-na-linguagem-neutra-de-genero/
Para complementar um dos pontos do artigo, que trata da 
acessibilidade de textos que utilizam “X”, “@” e outros marcadores, 
gostaríamos de lembrar que pessoas com as mais variadas dificuldades de 
leitura e processamento de dados visuais também acabam não podendo ler e
 compreender esses textos, assim como no caso de pessoas que necessitam 
de leitores de tela. Uma experiência visual interessante e instrutiva 
para pessoas não-disléxicas pode ser esta página: 
https://geon.github.io/programming/2016/03/03/dsxyliea. A partir dos 
relatos de uma amiga disléxica, uma pessoa resolveu tentar mostrar como 
pessoas na mesma condição se relacionam visualmente com textos; é 
necessária uma dose considerável de foco e esforço para qualquer 
leitura, e o uso de “X” e outras coisas certamente dificulta ainda mais a
 vida dessas pessoas.
****************
Sobre esta proposta
(Quando aqui falo do “X”, estou falando de construções como 
“todxs”, “meninxs”, “queridx”, “bonitx”. Embora eu vá me focar no X, 
porque é o mais utilizado, o mesmo vale para outras utilizações como @, 
*, entre outras.)
Desde que escrevi esse texto, o que faz um bocado de tempo, muitas 
pessoas reagiram de diversas formas. Uma boa parte, muito apegada à 
gramática, não gostou nenhum pouco da proposta porque ela realmente 
propõe alterações que brincam com o que hoje se considera “certo” ou a 
maneira “adequada” de falar. Obviamente, ao propor novas formas de 
fazer linguagem
 uma pessoa estará rompendo com uma determinada norma. Nunca foi minha 
intenção trabalhar dentro dos limites da gramática normativa.
Entendemos que muitas pessoas simplesmente não querem se dar ao 
trabalho. Este é um caso para ser julgado entre os indivíduos. Se você 
não gostaria de fazer um esforço por outra pessoa, é uma questão ética 
entre você e o restante da sociedade. Muitas vezes na vida tomamos a 
decisão de não nos importarmos. Uma pessoa possui certas questões da 
construção da identidade dela, da forma como ela está tentando se 
entender, que requerem esforço da parte dos outros. Quando esta 
solidariedade é suprimida, resta a marginalização daquela pessoa na 
direção de ter de se guetificar junto com as outras que são como elas, 
que é o que costuma acontecer com as pessoas trans no geral, seja por 
não quererem lhes tratar de forma neutra ou por insistirem em dizer 
ele onde seria 
ela ou 
ela onde seria 
ele.
A linguagem neutra é uma ferramenta para universalizar a possibilidade de superar esta questão de forma que 
resolva
 a questão, ela não é uma imposição moral. A imposição moral está nas 
demandas que fazemos enquanto um povo, e existe hoje a demanda para que 
as pessoas trans sejam respeitadas e consideradas sujeitos de sua 
própria liberdade, autonomia e identidade. Muitas pessoas no caminho não
 irão se dispor a ajudar, e algumas irão se dispor apenas parcialmente. 
No grosso, é raro que as pessoas se adequem bem à linguagem neutra a não
 ser que elas consigam entender isto como um exercício calmo, paciente. 
Isto envolve muitas irritações no processo de aprendizagem porque as 
pessoas não estão acostumadas a se importar com estas questões.
A linguagem neutra não é um exercício constante, o exercício está em 
aprendê-la, dispor-se a tentar, e não em exercê-la. A linguagem neutra 
não é mais difícil do que aprender qualquer outra forma de falar, ela 
basta ser aprendida, e então poderá ser usada fluentemente. Ela é um 
conjunto curto e muito rápido de entender, basta desenvolver a prática, o
 costume. Mas por mais simples e fácil que se torne depois que a pessoa 
efetivamente tenta, o processo de tentar acompanha um certo 
desprezo, um certo 
desdém
 pela proposta. Nesse sentido a grande maioria das pessoas desistem de 
serem tratadas de forma neutra. Assim cria-se o conceito da “fase”.
Nós chamamos de “fase” muitas coisas que, através da pressão social, 
forçamos as pessoas a abandonarem. Por exemplo, uma identidade feminina,
 que uma pessoa adota, e depois de um tempo volta a apresentar-se da 
forma como era antes. A isto muitas vezes não se deve simplesmente o 
fato de “passou” ou “foi uma fase”, mas que foi insuportável tentar, e 
que foi mais fácil desistir. Nós constantemente desistimos daquilo que 
queríamos por causa das dificuldades. Não é difícil com pessoas que 
possuem maiores ambições na construção de suas identidades, que ousam 
querer ser algo considerado pela maioria como absurdo, irracional, 
anti-científico.
Eu já pedi às pessoas que me tratassem de forma neutra, depois pedi 
que o fizessem no feminino, hoje em dia digo-lhes que tanto faz, que 
façam como preferirem. Acaba que a pessoa não consegue se sentir 
confortável com nada, e perdura um sentimento constante de 
alienação
 em relação ao gênero e todas as suas categorias. O acesso negado a 
todas elas. A incompatibilidade com qualquer coisa. É um fato de uma 
sociedade onde nossos potenciais estão extremamente castrados. As 
pessoas não participam desse sistema por má fé, não negam o tratamento 
neutro porque querem o pior (ao menos não todas), mas elas acabam 
executando esta ordem, a ordem de manter as bases do nosso mundo, assim 
como nós o conhecemos, exatamente como estão.
Para aprender linguagem neutra e usá-la basta querer. Ela é útil por 
diversos motivos. Se você não gostaria de usá-la, você pode usar o X ou 
pode falar como preferir. A questão é que neste processo você estará 
decidindo se afastar de um determinado grupo de pessoas, e que estas 
pessoas estão extremamente isoladas devido à decisão constante da 
maioria de fazer isso. Através deste mecanismo não só as pessoas trans 
estão excluídas, no desemprego, nos modernos circos dos horrores da 
mídia de massa, mas todo o povo oprimido. Tem a ver com a forma como a 
cultura e a opressão exercida pelas elites se atravessa e molda nossa 
visão de mundo. Quanto mais solidariedade, maior será o poder do povo. 
Venha de onde vier.
Peculiaridades das pessoas não-binárias
Pessoas trans* frequentemente possuem preferências por formas de se 
falar que estão desalinhadas com aquela designada a elas. Na maioria, 
mulheres trans* preferirão serem tratadas no feminino, homens trans* no 
masculino e muitas pessoas não-binárias de forma neutra, ou no masculino
 ou feminino de forma alinhada ou não à designada a elas no nascimento.
Nos três problemas enumerados acima, podemos notar que as pessoas 
trans* não-binárias possuem peculiaridades ao lidar com todos eles.
Em (1), não existe uma 
passabilidade para
 pessoas não-binárias. Nunca aparentam-se não-binárias porque ninguém 
jamais presumirá, ao olhar para como se vestem, falam, isto é, “como 
são” que não são “nenhum dos dois”. Sempre será presumido que uma pessoa
 é homem ou mulher. Desta forma, é virtualmente impossível que alguém 
“acerte” estas marcações, exceto nas raras vezes que o fizerem não 
porque percebem serem pessoas não-binárias, mas porque não conseguem 
decidir se as encaixam como homens ou como mulheres. Dessa forma, 
estarão sempre à margem das soluções que indicam às pessoas que 
simplesmente “chutem” de acordo com como a pessoa se apresenta.
Desde a publicação deste texto originalmente, foi levantado que 
algumas pessoas podem ser dar a entender serem não-binárias pela sua 
aparência. Este entendimento é falso, faz sentido somente ao observador.
 Androginia não é sinônimo de não-binariedade, uma pessoa cis (que não é
 trans) pode muito bem ser extremamente andrógina e uma pessoa trans 
pode muito bem aparentar ser do gênero considerado “oposto” ao dela, bem
 como pode ser andrógina também.[1]
Em (2), não existe nenhum país no mundo onde pessoas não-binárias 
possam efetivamente, de forma regulamentada, serem reconhecidas em seus 
documentos. É muito mais complicado que uma pessoa não-binária consiga 
ser reconhecida nas burocracias do Estado, das instituições, de 
universidades, empregos, etc como completamente fora das opções do que 
como uma delas, ainda que essa posição seja contestada. Frequentemente o
 caso é não o de quem é expulso de uma categoria, mas o de quem não 
possui uma categoria.
Algumas pessoas levantaram que há países no mundo onde isto é sim 
possível. Estou ciente destas notícias e agradeço se alguém quiser 
encaminhar-me quaisquer novas notícias, mas se você ler o acima disposto
 verá que 
não, não há país no mundo onde as pessoas trans 
não-binárias possam de forma regulamentada e desburocratizada fazer 
isso. Assim como no Brasil isto não é realidade nem para homens e 
mulheres trans. Precisar da aprovação de um juiz ou de um parecer médico
 não é satisfatório.
Em (3), os gêneros das pessoas não-binárias costumam ser muito mais 
difíceis de explicar às pessoas, de forma que “não ser”, “ser nenhum dos
 dois”, ou ser qualquer um deles de forma não-normativa (bigênera, 
multigênera, pangênera, etc) será algo encarado como uma invenção, uma 
tolice, etc, porque estas experiências são apagadas, e estão sempre na 
margem. É certamente mais complicado explicar a alguém que você não é 
nem homem, nem mulher do que explicar que você é homem ou mulher, apesar
 de não assim terem te designado no nascimento.
Estas dificuldades demonstram no geral como o sistema está orientado 
no sentido de preservar uma estrutura rígida, de dois gêneros. Todas as 
práticas que retornam a estas afirmações são dificuldades encaradas 
porque organizamos o mundo ao redor destas duas categorias.
Por todos esses motivos, é importante perceber que construções 
neutras de gênero são importantes para tornar o mundo mais vivível às 
pessoas trans* não-binárias, e que elas ocupam um local importante nesta
 discussão sobre neutralidade e sobre o uso da linguagem demarcada. Em 
nossos cotidianos, as marcações de gênero e as tentativas de torná-las 
neutras ou melhores frequentemente falham nesse quesito específico, como
 em “todas e todos”, “homens e mulheres”, “senhoras e senhores”, 
“masculino e feminino”, “todos/as”, “srs(as)” etc.
Se você recebeu esse texto de uma pessoa não-binária que queria que 
você aprendesse como referir-se a ela: por favor, tenha empatia e não 
trate isto tudo com leviandade. Isto é importante e são pouquíssimas as 
pessoas que realmente se importam. Tente ao máximo que conseguir, não se
 acanhe em parar no meio da frase e pensar ou pedir ajuda, aprenda junto
 com a pessoa e aos poucos você pegará o costume e falará naturalmente 
com ela. Não é um bicho de sete cabeças e conjuntamente é possível que 
consigam aprender cada vez melhor.
Por que abandonar o X?
- O X não é acessível para leitores de tela. Pessoas com deficiência visual não conseguirão fazer programas de leitura de tela pronunciarem corretamente o texto.
 
- O X não torna as coisas mais fáceis de entender. Quanto
 mais simples e direta for a nossa linguagem, melhor poderemos nos fazer
 entender  Quando a intenção é fazer textos fáceis e didáticos, o X pode
 ser um constante entrave para quem está lendo.
 
- O X não é pronunciável. Nós não podemos, em voz 
alta, usar o X. Isso é problemático especialmente para pessoas trans* 
não-binárias, para quem essa vocalidade é necessária no dia-a-dia.
 
- O X não transformará a linguagem. Se o X é restrito
 à língua escrita, então ele não irá alterar a forma como falamos! Isso 
significa que ele não influenciará como, no dia-a-dia, nos referimos às 
pessoas, e que no fim das contas, ele não alterará nem a linguagem 
escrita, perpetuando-a como binária, e a forma neutra como restrita a 
determinados contextos “feministas”, “lgbt”, “trans”, “de esquerda”.
 
Como falar de forma neutra sem o uso do X?
Tenha calma e aprenda no processo
Não pense que você vai ler o que está descrito abaixo e pegar o jeito
 de uma hora para a outra. Conforme você se pegar no meio das frases, 
conversar com a pessoa, se você e ela se ajudarem, a linguagem neutra 
vai se tornando hábito. Pense nos exemplos abaixo como formas de começar
 e de elaborar, e construa a linguagem neutra de forma natural.
Junto com a outra pessoa, vá falando de forma neutra, se deixe 
corrigir sem estresse quando necessário, e aos poucos aprenderá a falar 
de forma neutra. É uma questão de prática.
Utilize generosamente termos neutros como “pessoa”, 
“indivíduo”, etc. para retirar o gênero marcado diretamente. 
Coloquialmente, qualquer palavra serve.
Ela partiu > A pessoa partiu / essa pessoa partiu
A casa dela > A casa da pessoa
Todas as presentes > Todas as pessoas presentes
Quantas temos aqui? > Quantas pessoas temos aqui?
As presentes cujas bolsas ficaram no jardim > As pessoas presentes cujas bolsas ficaram no jardim
Boa tarde a todas > Boa tarde a todas as pessoas / boa tarde a vocês / boa tarde
Elas avançaram na competição > As pessoas (ou “estas pessoas”) avançaram na competição
Ele nunca vai embora > Essa pessoa nunca vai embora
Sua namorada > A pessoa com quem você namora / A pessoa que namora com você
Minha > A pessoa minha irmã
Minha irmã > A pessoa minha irmã
Tua irmã > A pessoa sua irmã / A pessoa que é sua irmã
Nossa irmã > A pessoa nossa irmã
(Nota: O português provavelmente não oferece uma forma melhor de 
fazer isso com palavras como a acima. O que podemos fazer é literalmente
 sugerir a desgenerificação ao propor que “irmã” se refere a “pessoa”. 
Como a construção não é usual, ela já impõe um motivo.)
Aquelas que ganharam estão liberadas para ir > Quem ganhou pode ir / Aquelas pessoas que ganharam estão liberadas para ir
Ao invés de usar um pronome, repita o nome ou suprima o pronome (melhor)
Ariel estava aqui ontem e desde então ela foi embora > Ariel 
estava aqui ontem e deste então Ariel foi embora / e desde então foi 
embora
Se eu quisesse ficar com Ariel, teria dito a ela > Se eu quisesse ficar com Ariel, teria dito a Ariel / teria lhe dito
A casa dela > A casa de Ariel
O Rio a inspira profissionalmente > O Rio inspira Ariel profissionalmente
Suprima artigos e pronomes desnecessários
A Ariel > Ariel
com a Ariel > com Ariel
Ela partiu > Ariel partiu
Eu fiquei com a Ariel > Eu fiquei com Ariel
Como pintora ela conquistou muito dinheiro > Pintando, conquistou muito dinheiro
Logo ela explicará seus motivos > Logo explicará seus motivos / Logo Ariel explicará seus motivos
Prefira alternativas neutras como “de” (ao invés de da/do) e “lhe” (ao invés de a/o)
da Ariel > de Ariel
Essa carteira é da Ariel > Essa carteira é de Ariel
Se eu quisesse ficar com Ariel, teria dito a ela > Se eu quisesse ficar com Ariel, teria lhe dito
A casa da Ariel > A casa de Ariel
Utilizar a voz passiva e o gerúndio, entre outras mudanças, 
são formas interessantes de desgenerificar. Do manual para uso 
não-sexista da linguagem:
“S. Semântico: Todos os trabalhadores poderão ir ao jantar com as suas esposas
Alternativa: O pessoal poderá ir ao jantar acompanhado.
S. Semântico: Os estudantes não poderão receber visitas femininas nos
dormitórios.
Alternativa: Não se permitem visitas nos dormitórios
[…]
Por exemplo, podemos dizer: O nível de vida em São Paulo é bom
Em lugar de: Os paulistanos têm um bom nível de vida
Podemos dizer: O pessoal docente da Universidade protestou por…
Em lugar de: Os professores da Universidade protestaram por…”
Mude a estrutura dos verbos na frase:
Você é muito requisitada? > Te requisitam muito?
Você está toda molhada > Você se molhou totalmente
Você está cansada? > Você se cansou?
Você é baiana? > Você é da Bahia?
Você está linda > Você está uma pessoa linda / Que lindeza você está / Sua roupa está linda / Seu corpo é lindo
Você está registrada > Eu te registrei / seu registro está feito
Manual para uso não sexista da linguagem
Para uma referência mais extensiva sobre linguagem neutra em 
português, recomendo o material “Manual para o uso não sexista da 
linguagem”, de Paki Venegas Franco e Julia Pérez Cervera pela UNIFEM. 
Clique para baixá-lo. O
 manual deve ser lido com um olhar crítico, possui passagens onde faz 
abordagens teóricas sobre gênero que talvez não sejam as mais adequadas,
 mas pragmaticamente falando tem um bocado de exemplos e dicas úteis.
Notas:
[1]. A variedade de configurações possíveis no fim transforma o 
próprio conceito de “passabilidade” em algo muito limitado. A questão 
não é como nos veem, mas principalmente 
como nos tratam. 
Configurar-se como sujeito de uma opressão na sociedade não tem a ver 
simplesmente com te verem de uma determinada forma (como começamos a 
pensar se nos deixamos levar muito pela política identitária, quer ela 
se pretenda “feminista radical” ou não), mas como 
suas condições te forçam e limitam no sentido de como você vai conseguir ser visto.
 Neste sentido por exemplo a passabilidade muitas vezes é mediada pela 
classe. As opressões não existem separadamente, os sujeitos não são 
oprimidos por isto ou por aquilo, os sujeitos são oprimidos porque são 
entendidos como sujeitos a se oprimir. Delimitar um determinado “motivo”
 (por exemplo, “ser lido como homem”, “ter sido socializado como homem”)
 sem se perguntar sobre o sem-número de outras questões que 
marginalizam, segregam e matam alguém no máximo será capaz de criar 
correntes de pensamento e militância política que, fadadas a serem só 
isto, correntes políticas sectárias, no serão um fardo a ser arrastado 
por motores mais transformadores que visem realmente enfrentar as formas
 de marginalização, todas elas, que incidem sobre as pessoas.