O viajante sobre o mar de névoa


“O mundo é fantástico” suspirou, apoiado em seu bastão. “O mundo é único a cada instante, e diferente para cada pessoa. Olhe essa névoa. Ela nasce e desaparece a cada segundo, e muda de forma a cada piscar de olhos. Olhe essas montanhas. Grandes e rígidas, vão ficar por aí por mais dezenas de gerações. As duas, juntas, fazem desse momento único. Fazem desse momento um momento especial para ficar na memória.”
Ele olhou para os lados.
“Eu estou no topo da montanha. Estou no topo do mundo. Estou no máximo que vou chegar. Esse é o meu melhor, esse é o melhor que a minha montanha tem a oferecer. Não é o cume. Não precisa ser o cume para ser o melhor. De nada adianta um cume cercado de árvores para aquele que só quer admirar a paisagem e enxergar longe.”
Girou o pé esquerdo no chão, sentindo o solo duro.
- Que horas são? - disse em voz alta para ninguém ouvir.
Tirou o relógio do bolso, e quando levantou novamente o rosto, a paisagem já havia mudado. Novas árvores se revelavam diante de seus olhos. Uma visão nova e única a cada segundo que passava.

“As montanhas não mudam de lugar. Serão as mesmas daqui a um minuto, daqui a uma semana, daqui a um ano. Mas também serão completamente diferentes. Elas são o que eu vejo delas. Agora elas são brancas e azuis. Espero uma hora e serão verdes e cinzentas. Não deixam de ser montanhas, mas não deixam de mudar.”
Abaixou-se e deitou o bastão no chão.
“Eu sou a única pessoa que existe no mundo, nesse momento. Parentes, amigos, família, vizinhos. Estão longe. Longe demais para fazer diferença. Existe apenas eu.”
Ficou de pé, lentamente.
“Eu e as montanhas. Eu e essa neblina. Existe apenas aquilo que posso ver. Todo o resto pode até existir. Mas não para mim. Não agora.”
Deu um passo mínimo para frente, olhando a encosta da montanha, até a pedra desaparecer por trás da neblina.
“Existe apenas esse mar de neblina” disse, enquanto o branco invadia completamente a sua visão, tampando o horizonte antes visível “Todo o resto é ilusão. É passageiro. Todas as verdades do meu dia-a-dia não fazem diferença. Não para mim. Não agora.”
Tirou o sobretudo, deixando o frio invadir o seu corpo. Sentiu sua pele se arrepiar. Passou as mãos sobre os braços.
“Sinto frio, pois a neblina tampa o que está em baixo mas também aquilo que está acima da minha cabeça. Não vejo o sol. Não vejo as cidades. Não vejo nada além dessa neblina. Não sinto o cheiro das árvores, não sinto o gosto do ar, não escuto os pássaros. Sinto apenas o frio. Vejo apenas a neblina. E mais nada.”
Chegou perto da encosta, e sem saber direito como proceder, deixou-se cair para frente, sentindo o vento cada vez mais rápido nos cabelos.

Tornou-se um com a neblina.

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