Carta ao Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão da UFV
Neste texto, explicito minha visão a respeito do Edital do processo seletivo
para ingresso nos cursos presenciais de graduação no primeiro semestre de 2018
(SISU 2018).
Em agosto de 2012 foi sancionada a Lei 12.711,
a Lei das Cotas, posteriormente alterada em dezembro de 2016. Desde então, todas
as universidades federais devem reservar 50% de suas vagas para pessoas que
estudaram o Ensino Médio em escola pública.
Dentro
desses 50%, há hoje subdivisões em 8 categorias, para contemplar pessoas com
renda familiar menor do que 1,5 Salário Mínimo (SM), para contemplar pessoas
que se autodeclaram Pretas, Pardas e Indígenas (PPI) e para contemplar pessoas
com deficiência, sendo essas duas últimas de acordo com a porcentagem de
pessoas em cada condição em cada estado, de acordo com o IBGE.
Até
2017 havia apenas quatro modalidades de cotas, mais uma para a ampla
concorrência. A partir de 2018, no entanto, serão oito modalidades de cotas
mais a ampla concorrência. A Figura 1 mostra as porcentagens destinadas a cada
modalidade, supondo um curso com 100 vagas em Minas Gerais em 2018.
Figura 1. Os números dentro das elipses brancas indicam a Modalidade, de 1 a 9, que serão utilizados ao longo deste texto. As figuras humanas representam a quantidade de pessoas em cada categoria supondo um curso com 100 vagas. O tipo de figura representa a necessidade de comprovação de alguma deficiência, sendo a figura comum com duas pernas sem necessidade, e a figura com uma perna mecânica com necessidade de comprovação.
Como
disposto na lei, a implantação das cotas foi gradual. Em 2013, apenas 12,5% das vagas foram
reservadas para as cotas, aumentando até que 2016 fosse o primeiro ano em que,
obrigatoriamente, 50% das vagas de todas as universidades federais foram
destinadas a egressos de escola pública.
Até
que fossem integralmente implementadas as reservas de
vagas, os estudantes que optaram por concorrer às vagas reservadas e que não
foram selecionados tiveram assegurado o direito de concorrer às demais vagas
(Portaria Normativa nº 18/MEC). Isso permitia que os estudantes cotistas que se
inscrevessem em categorias que possuíam poucas vagas ainda assim tivessem uma
boa chance de entrar na universidade.
9.2) Os candidatos que optarem por concorrer
às vagas reservadas e que não forem selecionados terão assegurado o direito de
concorrer às demais vagas;
(Edital
do processo seletivo da UFV de 2014)
A título de exemplo, em 2014, uma estudante com nota 653 se
inscreveu em uma modalidade de cotas e foi convocada pela ampla concorrência, à
frente de outra estudante com nota 651, que se inscreveu e foi convocada pela
ampla concorrência. Não fosse esse direito, a estudante cotista com maior nota
poderia ter ficado de fora, enquanto que uma estudante não cotista com nota
menor poderia ter sido convocada no lugar dela.
Em
2016, no entanto, esse direito não foi mais assegurado aos cotistas. Cada
universidade teve que decidir como iria proceder.
A
UFG – Universidade Federal de Goiás, por exemplo, optou por um modelo que
resulta o máximo de cotistas na universidade.
I
– primeiramente, serão preenchidas as vagas da ampla concorrência por
candidatos egressos de escola pública ou não, conforme a ordem de classificação
dos estudantes; e
II – após o preenchimento dessas vagas, serão preenchidas as vagas reservadas na forma da Lei nº 12.711 (...)
II – após o preenchimento dessas vagas, serão preenchidas as vagas reservadas na forma da Lei nº 12.711 (...)
(Edital do processo seletivo da UFG de 2016)
A
UNIFEI – Universidade Federal de Itajubá, por sua vez, optou por um modelo em
que os cotistas tinham o direito de concorrer às vagas da ampla concorrência,
após as vagas das cotas serem preenchidas.
IV.6)
Em cada curso, serão preenchidas inicialmente as vagas reservadas pela Lei nº
12.711/2012 (Lei das Cotas), às quais só concorrem os estudantes cotistas, e em
seguida as vagas de ampla concorrência, às quais todos concorrem, inclusive os
cotistas que não tenham sido selecionados nas vagas reservadas. Dentro de cada
grupo (cotistas e ampla concorrência), os candidatos serão classificados por
ordem decrescente da nota final do ENEM.
(Edital do processo seletivo da UNIFEI de 2017)
A
UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul apresenta um modelo
semelhante ao da UNIFEI, como apresentado a seguir:
4.11
- A partir dos chamamentos da Lista de Espera todos os candidatos estarão concorrendo
como Ampla Concorrência. Assim, quando a vaga for de reserva de vagas, será
chamado o próximo candidato da mesma modalidade de reserva. Quando a vaga for
de Ampla Concorrência será chamado o próximo candidato da Lista de Ordenamento
Geral.
(Edital
do processo seletivo da UFRGS de 2017)
No
entanto, a UFV, assim como UFMG e algumas outras universidades, optou por um
sistema que limita as chances do estudante cotista apenas às vagas da cota que
ele ou ela optou.
4.4
Conforme deliberação do Conselho de Pesquisa, Ensino e Extensão da UFV (CEPE)
em 15/12/2016, os candidatos que optarem pelas vagas reservadas, conforme a Lei
12.711, de 2012, NÃO concorrerão concomitantemente às vagas de ampla
concorrência. Cada uma das Modalidades de Vagas, conforme descrito no item
2.3 deste Edital, terá lista própria de classificação.
(Edital
do processo seletivo da UFV de 2017, grifo meu)
Em
alguns casos, isso não gera nenhuma consequência negativa. No entanto, em outros,
isso gera consequências perigosas. O curso de Bioquímica, por exemplo, oferece
40 vagas por ano, sendo 20 destinadas à ampla concorrência, e quatro para a
cota 5. A Figura 2 mostra todos os
convocados para o curso de Bioquímica no campus de Viçosa, em 2017.
Figura
2. Convocados para o
curso de Bioquímica no campus de Viçosa. Cada ponto representa um estudante
convocado nas cinco modalidades que existiam, sendo as modalidades 1, 3, 5 e 7
cotas, e a 9 ampla concorrência. As cores representam a(s) chamada(s) em que
cada estudante foi convocado.
Em
2017, o último convocado para Bioquímica pela ampla concorrência entrou com a
nota de 590. No entanto, havia sete estudantes cotistas com notas superiores a
essa que não foram chamados, como pode ser visto na Figura 3, incluindo um
candidato que obteve a nota de 672, na cota 7.
Figura 3. Candidatos que se inscreveram para o
curso de Bioquímica na UFV em 2017. Os círculos coloridos representam
estudantes que foram convocados, e os círculos em branco representam estudantes
inscritos que não foram convocados. A linha pontilhada representa a nota do
último convocado pela ampla concorrência, de 590,63 pontos.
Casos
como esse se repetem em vários outros cursos, apesar desse talvez ser o mais
marcante, por ter um cotista que não foi convocado com uma nota muito maior do
que um inscrito pela ampla concorrência que foi convocado.
Em
2017, havia apenas quatro modalidades de cotas, e isso já acontecia. No
entanto, a partir de 2018, as vagas para cotistas serão divididas entre oito
modalidades, o que pode piorar o problema. No exemplo da Bioquímica e de vários
outros cursos, as cotas 2, 4, 6 e 8 terão apenas uma vaga cada. Se houver dois
estudantes que se enquadrem nessas modalidades com nota alta, é preciso que a
UFV permita que os dois ingressem no curso, sob risco de que o que aconteceu na
Bioquímica em 2017 se torne ainda mais frequente.
Acredito
ter exposto de maneira concreta o problema, de que o modelo atual de cotas
adotado pela UFV faz com que pessoas que tem notas muito boas possam ficar de
fora simplesmente porque optaram por exercer seu direito de ocupar uma vaga
reservada. Uma possível consequência disso é que cotistas com notas altas optem
por concorrer às vagas da ampla concorrência, principalmente em cursos e
modalidades com poucas vagas como é o caso da Bioquímica, fazendo com que
cotistas com notas menores ocupem as vagas reservadas.
As
soluções para esse problema já foram apresentadas. Acredito que o modelo
adotado pela UFV em 2014, semelhante aos modelos adotados pela UFRGS e UNIFEI
em 2017, seja o mais adequado. Sugiro também que se faça um estudo para analisar
as diferenças entre o modelo da UFG e das demais universidades, para que
possivelmente o Edital do SISU de 2019 seja ainda melhor que o deste ano.
Com
a consciência de que este Conselho chegará a melhor decisão,
Mateus
Silva Figueiredo.
Referências
Lei Federal nº 12.711, Lei de Cotas. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12711.htm.
Portaria Normativa nº 18 do MEC. Disponível em https://drive.google.com/file/d/1JcIIgTYJbmo9076JSSEs8BCZXWw46jE5/view?usp=sharing.
UFRGS. Edital do processo seletivo de 2017. Disponível em
http://www.ufrgs.br/sisu/edital-no-01-2017-sisu-2.
UFV. Edital do processo seletivo de 2014. Disponível em
http://www.pse.ufv.br/wp-content/uploads/edital-sisu-2014.pdf.
UFV. 5ª chamada do SISU de 2014. Disponível em
http://www.pse.ufv.br/wp-content/uploads/QUINTA-Chamada-do-SiSU-2014-.pdf.
UFV. Edital do processo seletivo de 2017. Disponível em
http://www.pse.ufv.br/wp-content/uploads/EDITAL_UFV_SISU-2017.pdf.
UFV. Lista de Espera do SISU de 2017. Disponível em
http://www.pse.ufv.br/wp-content/uploads/sisu2017-espera.htm.
UFV. Termo de Adesão ao SISU 2018/1. Disponível em http://sisugestao.mec.gov.br/visualizar-termo/0MNNEEJ/50A9041.
UNIFEI. Edital do processo seletivo de 2017. Disponível
em https://www.unifei.edu.br/files/files/arquivos/cops/Edital%20Vestibular%20Unifei%202017%20-%20Retificado.pdf.
UFV. Lista de Espera SISU 2017 http://www.pse.ufv.br/wp-content/uploads/sisu2017-espera7.htm#3-5
ResponderExcluirCarta apresentada ao Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE-UFV) em sua reunião de 20 de dezembro de 2017, como disposto na ATA Nº 540/2017. A carta foi anexada ao processo 23114.903294/2017-06.
ResponderExcluirAta disponível em:
http://www.soc.ufv.br/wp-content/uploads/13-ATA-CEPE-540-20.12.17.pdf